Kill Bill continua a ser um daqueles casos raros em que um filme não só marcou uma geração como envelheceu absurdamente bem. Aliás, eu próprio que já vi a saga uma boa dezena de vezes, decidi revisitar os dois volumes já lançados visto que estavam em destaque na Netflix.
São filmes mágicos, onde Quentin Tarantino pegou no que amava dentro do mundo do cinema, desde o kung fu dos anos 70 aos samurais de Kurosawa, dos westerns spaghetti à estética da banda desenhada e do anime, e atirou tudo para o ecrã sem pedir desculpa a ninguém.
O resultado foi um fenómeno cultural dividido em dois volumes, lançados em 2003 e 2004, que ainda hoje são referência.
Mas… Havia espaço para um Volume 3. Aliás, ele foi praticamente prometido.
Vai ou não haver Kill Bill Vol. 3?
Durante muitos anos, a resposta pareceu ser “talvez”. Mas, hoje, a realidade é bem mais fria.
Aqui vale a pena salientar que a ideia de uma trilogia nunca foi um delírio dos fãs. Foi o próprio Tarantino que, logo após o lançamento do primeiro filme, falou numa espécie de trilogia à la Sergio Leone, com um novo capítulo a cada dez ou quinze anos. Nessa fase inicial, o plano era claro e até surpreendente.
Isto porque a protagonista não seria a Noiva (Uma Thurman), mas sim Nikki Bell, a filha de Vernita Green, a personagem interpretada por Vivica A. Fox que a Noiva mata logo no início de Vol. 1. A lógica era simples e brutalmente coerente com o universo Kill Bill.
Nikki merecia a sua vingança tanto quanto a Noiva mereceu a dela.
Tarantino chegou a detalhar essa mitologia. Sofie Fatale ficaria com o dinheiro de Bill, criaria Nikki e prepará-la-ia para enfrentar a Noiva anos mais tarde. Uma Thurman continuaria presente, mas passaria o testemunho. Era uma ideia pensada a longo prazo, com envelhecimento real das personagens, algo muito ao estilo do realizador.
Por isso, em 2009, voltou a falar-se seriamente do assunto.
Tarantino deu a entender que Kill Bill Vol. 3 poderia ser o filme seguinte a Inglourious Basterds e que a história envolveria a Noiva e a sua filha, B.B. Pouco depois, isso caiu por terra. Django Unchained tomou o lugar e, pela primeira vez, Tarantino começou a falar publicamente da possibilidade de nunca voltar a este universo.
Em 2012, foi ainda mais direto. Disse claramente que não sabia se alguma vez faria Kill Bill Vol. 3 e que, muito provavelmente, não aconteceria. Nos anos seguintes, foi oscilando entre o ceticismo e pequenos acenos aos fãs. Admitiu que falava ocasionalmente com Uma Thurman, que havia ideias escritas que nunca foram usadas e que, se voltasse a algum dos seus filmes, Kill Bill seria o mais provável.
A chama reacendeu-se com força quando Tarantino trabalhou com Maya Hawke, filha de Uma Thurman, em Once Upon a Time in Hollywood. Aliás, numa conversa com Joe Rogan, o realizador revelou uma ideia que, para muitos fãs, soou como o Kill Bill 3 perfeito. Vinte anos de paz para a Noiva e para B.B., interrompidos por um novo caos. Mãe e filha em fuga. Uma Thurman e Maya Hawke lado a lado.
Personagens que ficaram “penduradas” nos filmes originais ainda vivas e com contas por ajustar. Elle Driver. Sofie Fatale. O dinheiro de Bill. Até a ideia de uma irmã gémea de Gogo foi atirada para cima da mesa.
Criativamente, o terreno estava lá. O problema nunca foi a falta de ideias.
O verdadeiro obstáculo chama-se Quentin Tarantino.
O realizador tem repetido vezes sem conta que se vai reformar após o seu décimo filme. Kill Bill Vol. 1 e Vol. 2 contam como um só. Isso significa que o espaço para um Vol. 3 simplesmente não existe, a não ser que Tarantino decida quebrar a sua própria regra ou considerar a trilogia como uma única obra gigantesca. Algo que ele próprio já admitiu ser teoricamente possível, mas cada vez menos provável.
O próprio Tarantino foge à questão, e de facto, a própria Uma Thurman já disse várias vezes que é muito pouco provável, não só pela passagem do tempo, mas também devido a várias coisas que aconteceram na altura das filmagens dos primeiros 2 volumes.
Em suma, hoje, a probabilidade de vermos Uma Thurman de volta à ação como a Noiva é baixa.
Mas, algumas histórias não precisam de continuação. Mesmo quando queremos muito que ela exista.
