Sim, é verdade. Um vírus que normalmente associamos ao fígado pode estar a mexer com o cérebro e com a saúde mental de milhões de pessoas. Uma nova investigação liderada pela prestigiada Universidade Johns Hopkins acaba de lançar luz sobre uma possível ligação entre o vírus da hepatite C (HCV) e doenças mentais graves como a esquizofrenia, a doença bipolar e até a depressão profunda. A revelação pode mudar radicalmente a forma como se diagnostica e talvez até se trata certos casos de perturbações psiquiátricas.
O que descobriram afinal?
Durante anos, os especialistas suspeitaram que vírus poderiam estar ligados a doenças mentais. Mas nunca tinham conseguido encontrar provas concretas da presença desses vírus no cérebro humano. Até agora.
Os investigadores concentraram-se numa parte pouco falada do cérebro: o plexo coróide, uma rede de vasos sanguíneos que ajuda a produzir o líquido cefalorraquidiano (aquele que protege e limpa o cérebro). Foi aí e não no tecido cerebral em si que encontraram vestígios de 13 tipos diferentes de vírus. Mas um destacou-se de forma especial: o vírus da hepatite C.
A sua presença era muito mais comum em pessoas com esquizofrenia e transtorno bipolar do que em indivíduos saudáveis.
Como chegaram a essa conclusão?
A equipa analisou amostras de cérebros de pessoas falecidas, algumas com diagnóstico de doença mental grave e outras sem qualquer patologia. Utilizaram tecnologia de ponta capaz de detetar mais de 3 mil vírus diferentes e encontraram um padrão preocupante.
Os cérebros de doentes psiquiátricos estavam mais contaminados por vírus em geral, mas o HCV era o único com ligação estatisticamente significativa à esquizofrenia e à bipolaridade.
Os números que fazem soar o alarme
Para confirmar a descoberta, os investigadores analisaram também um enorme banco de dados médicos com 285 milhões de registos clínicos. Eis o que encontraram:
- 3,5% dos pacientes com esquizofrenia tinham infeção por HCV
- 3,9% dos que sofriam de bipolaridade também
- Apenas 1,8% dos pacientes com depressão tinham HCV
- E no grupo de controlo (pessoas saudáveis)? Só 0,5%
Ou seja, quem tem esquizofrenia ou bipolaridade tem até 7 vezes mais probabilidade de estar infetado com hepatite C do que a população geral.
Mas o cérebro estava “limpo”…
Curiosamente, quando os cientistas examinaram o hipocampo zona do cérebro ligada à memória, aprendizagem e emoções não encontraram vírus. No entanto, viram alterações nos genes dessa área em pessoas que tinham HCV no revestimento do cérebro. Isso indica que, mesmo sem entrar no cérebro, o vírus pode influenciar o seu funcionamento a partir da periferia.
O que isto significa para o futuro?
A descoberta não prova que a hepatite C cause doenças mentais mas sugere que, em algumas pessoas, a infeção pode ser um fator contribuinte.
E aqui está a grande esperança: a hepatite C é tratável. Se se confirmar que existe um subgrupo de pacientes com sintomas psiquiátricos causados por infeção viral, esses casos poderiam ser resolvidos com antivirais, poupando os doentes a anos de terapias pesadas e efeitos secundários.
O que dizem os especialistas?
“Os nossos resultados mostram que é possível que algumas pessoas estejam a ter sintomas psiquiátricos por causa de uma infeção, e se for hepatite C, pode haver uma solução simples com antivirais”, explica o investigador Sarven Sabunciyan, da Universidade Johns Hopkins.
Em resumo:
O vírus da hepatite C foi encontrado em níveis elevados no revestimento cerebral de doentes com esquizofrenia e bipolaridade.
A infeção não parece atingir diretamente o cérebro, mas pode afetar o seu funcionamento.
Estudos sugerem uma ligação significativa entre o HCV e estas doenças mentais.
Se confirmado, este poderá ser um avanço revolucionário no tratamento de perturbações psiquiátricas.
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