Sabias que pagas uma taxa de pirataria em cada telemóvel e não só?

Quando compras um smartphone novo, um tablet, um disco externo ou até uma simples pen USB em Portugal, não estás só a pagar o equipamento. Em muitos casos, estás também a pagar uma “taxa da cópia privada” ou se preferires taxa de pirataria que pode chegar aos 15€ por dispositivo, no caso dos smartphones e tablets, porque a lei aplica 0,12€ por cada GB de memória, com um tecto máximo de 15€. Esta taxa existe desde a última grande revisão da Lei da Cópia Privada em 2015 (Lei n.º 49/2015) e foi pensada para compensar autores, artistas e produtores pelas cópias privadas que os utilizadores fazem de músicas, filmes, livros e outros conteúdos digitais. O problema? Passaram dez anos, o mundo mudou para o streaming e cloud… mas a lei ficou parada no tempo. E agora a própria indústria eletrodigital, através da AGEFE, Associação Portuguesa da Indústria Eletrodigital, veio dizer que o modelo atual está desatualizado, é insustentável e prejudica tanto empresas como consumidores.

O que é afinal a Lei da Cópia Privada ou a tal taxa de pirataria?

De forma simples: a Lei da Cópia Privada é uma exceção à lei dos direitos de autor. Permite que quem comprou legalmente uma obra (por exemplo, um álbum ou um filme) possa fazer cópias para uso privado, sem ter de pedir autorização a ninguém.

Para compensar os titulares de direitos por estas cópias, o Estado criou uma compensação equitativa que é cobrada não diretamente às pessoas, mas sim sobre equipamentos e suportes de armazenamento:

  • Smartphones e tablets
  • Computadores e discos externos
  • Pens USB e cartões de memória
  • Consolas, MP3/MP4, câmaras com armazenamento, etc.

No caso dos telemóveis, a tabela é clara: 0,12€ por cada GB de capacidade, com limite de 15€ por aparelho. O mesmo tecto de 15€ aplica-se a tablets e outros dispositivos, havendo tabelas específicas para cada categoria.

Na prática, este valor é incorporado no preço final. Ou seja: tu pagas a taxa, mesmo sem saber.

O argumento da AGEFE: uma taxa cega num mundo de streaming

No comunicado agora divulgado, a AGEFE sublinha que:

A atual lei está em vigor há dez anos sem revisão das tabelas, apesar de a própria lei prever atualizações periódicas;

O mercado mudou radicalmente com a massificação de serviços de streaming (Netflix, Spotify, Disney+, etc.) e armazenamento na cloud;

A prática de cópia privada tradicional caiu a pique e, quando existe, não substitui normalmente a compra legítima de novas cópias.

O aumento do Spotify afinal não é assim tão pesado por isto!

Para a associação, a questão não é pagar aos autores, que a AGEFE diz valorizar, mas sim o modelo de compensação: considera-o injusto, desproporcionado e desligado da realidade, funcionando como uma taxa cega que encarece artificialmente a tecnologia e penaliza empresas e consumidores.

Ou seja, continuamos a pagar como se estivéssemos em 2010, a encher discos com MP3 e filmes copiados, quando hoje a maioria das pessoas apenas faz stream ou usa cloud.

Portugal no topo da tabela: pagamos mais do que Espanha e outros países

Um dos pontos mais fortes levantados pela AGEFE é a comparação europeia. Segundo a associação, as taxas aplicadas em Portugal estão entre as mais elevadas da União Europeia, chegando a ser até seis vezes superiores às de países como Espanha, Alemanha, Finlândia ou Países Baixos.

Exemplo concreto:

Em Portugal, um smartphone de 128 GB paga até 15€ de taxa de cópia privada, devido ao limite máximo por aparelho;

Em Espanha, a compensação para smartphones é de cerca de 3,25€ por dispositivo, independentemente da capacidade, de acordo com tabelas públicas do “canon digital”.
Num país com rendimentos per capita mais baixos do que muitos dos seus parceiros europeus, esta diferença pesa ainda mais na carteira. E, segundo a AGEFE, o efeito é duplo: consumidores pagam mais, e empresas perdem competitividade e capacidade de investir.

Cultura vs tecnologia: o braço-de-ferro da taxa da cópia privada

Do outro lado, está o setor cultural. A proposta da Iniciativa Liberal para eliminar a taxa da cópia privada no Orçamento do Estado para 2026 fez soar todos os alarmes nas entidades de gestão de direitos de autor, que reagiram com “estranheza” e “perplexidade” e consideram a taxa indispensável para financiar a criação artística.

spotify, tidal

Estas entidades lembram que:

A compensação por cópia privada é uma forma de garantir rendimento aos autores, artistas e produtores num contexto em que as cópias digitais são fáceis e difíceis de controlar;

Uma parte das receitas alimenta o Fundo Cultural, que financia projetos e iniciativas no setor.

Resultado:

  • A indústria eletrodigital acusa a lei de ser injusta, desproporcional e um travão à transição digital;
  • O setor cultural defende que sem esta fonte de receita a criação artística em Portugal fica seriamente prejudicada.
  • E quem fica no meio deste braço-de-ferro? O consumidor, que continua a pagar a taxa em cada gadget que compra.

Porque é que isto te deve interessar (mesmo que só uses Netflix e Spotify)

Mesmo que nunca tenhas feito uma cópia privada “clássica” (ripar um CD para MP3, passar um DVD para o disco, etc.), a probabilidade é esta:

Tens um smartphone, talvez um tablet, possivelmente um disco externo ou uma pen. Em todos eles, pode haver uma fatia do preço que é taxa da cópia privada.

Para quem compra tecnologia é um custo que raramente vem discriminado de forma visível. Entretanto encarece o preço final num mercado onde cada euro conta. Para além disso parece cada vez menos ajustado à realidade de consumo, dominada por plataformas legais e subscrições mensais.

A AGEFE não está a pedir o fim total da compensação, mas sim uma revisão urgente do modelo, baseada em dados concretos sobre a utilização da cópia privada, e não numa tabela fixa criada há dez anos.

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Bruno Fonseca
Bruno Fonseca
Fundador da Leak, estreou-se no online em 1999 quando criou a CDRW.co.pt. Deu os primeiros passos no mundo da tecnologia com o Spectrum 48K e nunca mais largou os computadores. É viciado em telemóveis, tablets e gadgets.

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