Imagina a cena: alguém da tua família está a passar por um momento difícil, em tratamento oncológico, e não pode ir ao supermercado. Então, pedes ajuda a uma pessoa de confiança: “Olha, tira-me só uma fotografia dos desodorizantes, para eu escolher qual quero, está bem?” Um gesto simples, humano, sem malícia. A pessoa vai ao Pingo Doce, tira uma fotografia rápida com o telemóvel para enviar por WhatsApp e… é imediatamente interpelada por um segurança. O funcionário diz que “não se pode tirar fotos” e exige até que a imagem seja apagada do telemóvel. O episódio, aparentemente banal num Pingo Doce da zona de Oeiras, está a gerar espanto. Afinal, será que é mesmo proibido fotografar dentro de supermercados? E, mais importante: onde fica o bom senso?
O que dizem as regras do Pingo Doce (e outros supermercados)
Na verdade, a lei portuguesa não proíbe tirar fotografias de produtos expostos para venda. Esses artigos estão em ambiente comercial aberto ao público, e fotografá-los para uso pessoal não viola qualquer legislação.
O que existe é uma regra interna definida pelas próprias cadeias de supermercados, que consideram a fotografia uma “atividade não autorizada” dentro das lojas. Alegam razões de:
- Segurança (não fotografar instalações internas, saídas, câmaras, etc.);
- Concorrência (evitar que outras empresas registem preços ou estratégias comerciais);
- Privacidade (evitar que clientes ou funcionários apareçam nas fotos).
Até aqui, percebe-se a lógica. Mas quando falamos de um cliente que só quer escolher entre dois produtos para alguém doente em casa, não será a aplicação da regra uma exagero sem sentido?
O que o segurança pode (e não pode) fazer
Outro detalhe importante: um segurança privado não pode obrigar ninguém a apagar uma fotografia do telemóvel.
Pode, sim:
- Pedir que a pessoa não tire mais fotos;
- Convidar o cliente a sair da loja se recusar cumprir a regra interna.
Mas não tem poderes legais para mexer no telemóvel ou forçar o apagamento de imagens. Isso só se pode fazer por autoridade policial e em contextos muito específicos.
Portanto, mesmo que a regra exista, a forma como foi aplicada neste caso levanta muitas dúvidas e críticas.
Entretanto a foto abaixo foi a foto em questão:
A falta de sensibilidade que custa caro
No caso que deu origem a esta polémica, o contexto torna a situação ainda mais grave: não se tirou a fotografia por capricho, mas sim porque a cliente em questão estava em tratamento oncológico e não podia deslocar-se à loja.
Ou seja, a regra aplicou-se sem compaixão e sem flexibilidade, prejudicando uma pessoa que apenas queria escolher um produto de uso diário.
Isto abre uma reflexão maior:
- As empresas portuguesas estão realmente preparadas para lidar com clientes em situações especiais?
- Não deveria haver exceções humanas nestas regras?
As reações dos consumidores
Nas redes sociais e em fóruns online, clientes partilharam experiências semelhantes. Alguns dizem já ter sido advertidos por fotografar promoções, outros por tirar uma simples foto a um rótulo de ingredientes para comparar com o que têm em casa.
A indignação cresce porque, num mundo onde compras online e comparadores de preços são cada vez mais comuns, impedir clientes de tirarem uma fotografia parece uma prática ultrapassada e contraproducente.
Como comentou uma utilizadora num fórum:
“Se calhar o Pingo Doce preferia que eu comprasse às cegas e acabasse por não levar nada. É ridículo, só mostra falta de visão e empatia.”
Lá fora é diferente
Em muitos países, fotografar produtos em supermercados encara-se como normal. Há até apps que incentivam os consumidores a comparar preços e partilhar boas compras.
Em Portugal, no entanto, algumas marcas insistem em manter uma postura de controlo rígido, que acaba por gerar confrontos desnecessários com os clientes.
Então, afinal, posso ou não fotografar?
A resposta é simples: legalmente, sim, podes. Mas, ao mesmo tempo, tens de aceitar que a loja pode pedir que não o faças porque é uma regra interna.
A grande questão não é tanto o “podes” ou “não podes”. É o como e o quando a regra se aplica. Neste caso, o Pingo Doce perdeu uma oportunidade de mostrar humanidade e respeito por uma cliente em situação fragilizada.
Este episódio é um exemplo claro de como regras cegas, sem humanidade, podem prejudicar a imagem de uma marca. O Pingo Doce pode ter conseguido impedir uma fotografia irrelevante, mas perdeu muito mais: perdeu confiança, perdeu empatia e ganhou má publicidade.
Talvez seja tempo das grandes cadeias de supermercados repensarem estas políticas e perceberem que, às vezes, um simples clique no telemóvel não é uma ameaça é só um gesto de cuidado e apoio a quem mais precisa.