A cena é familiar: entras na pastelaria, pedes o galão da manhã e aquele pequeno pacote de açúcar está lá fiel, à tua espera. Só que ultimamente parece… diferente. Mais leve. Menos cheio. Quase simbólico. E não, não é paranóia. Nos últimos anos, os pacotes de açúcar que acompanham cafés, galões e meias de leite em Portugal têm mesmo vindo a perder peso literalmente. Se antes um pacote normal trazia cerca de 8 gramas, hoje é comum encontrarmos pacotes com 6, 5 ou até 4 gramas. À primeira vista, pode parecer uma boa notícia. Menos açúcar, vida mais saudável. Mas será mesmo assim? Qual a razão para os pacotes de açúcar estarem a encolher? Se achas que é só por saúde vais ter uma surpresa.
O açúcar que desapareceu e ninguém se queixou (ainda)
Este é daqueles casos curiosos em que uma mudança silenciosa se espalhou por todo o país sem grande alarido. As marcas reduziram as doses, os cafés adaptaram-se e os consumidores… continuaram a abrir dois pacotes em vez de um.
O truque é simples: a embalagem mantém o mesmo tamanho, mas a quantidade lá dentro é menor. Ou seja, o que parece o mesmo pacotinho que sempre usaste, na verdade está mais “vazio”. Em escala nacional, isto representa toneladas de açúcar poupadas todos os meses e, claro, custos mais baixos para quem compra aos fornecedores.
Mas é por saúde… ou por poupança?
Oficialmente, o discurso é bonito. As associações e fornecedores dizem que é uma “medida de sensibilização”, alinhada com as recomendações da Direção-Geral da Saúde (DGS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), que pedem uma redução de 10% no consumo médio de açúcar até 2030.
De facto, Portugal tem feito avanços nesta área: as bebidas refrigerantes têm menos açúcar, muitos produtos de pastelaria reformularam receitas e até os cafés começaram a oferecer versões sem açúcar adicionado.
Mas há quem veja nesta tendência um outro lado menos doce: o económico. Afinal, reduzir 2 gramas por pacote, multiplicado por milhões de unidades vendidas por mês, representa poupanças substanciais. E quando o consumidor usa dois pacotes em vez de um… o objetivo de saúde perde-se no ar como vapor do café quente.
“Dois pacotes, por favor”
Se trabalhas num escritório, sabes bem o que vem a seguir: alguém abre o pacote, despeja o conteúdo na chávena e diz “isto já não adoça nada”. Mais um pacote. Mais uma microeconomia da vida moderna.
E é aqui que o plano falha. Ao reduzir o açúcar de cada dose, mas não mudar o hábito do consumidor, o efeito final é nulo. Pior: o desperdício de embalagens aumenta, porque cada café passa a exigir o dobro dos pacotes e logo o dobro de plástico e papel.
Ou seja, em nome da saúde e da poupança, acabamos a produzir mais lixo e a consumir o mesmo açúcar.
O “shrinkflation” chegou ao balcão do café
O fenómeno tem até nome: shrinkflation: quando os produtos encolhem, mas o preço fica igual. Aconteceu com bolachas, batatas fritas, chocolates… e agora, discretamente, com o açúcar.
Os custos de produção subiram, o preço do açúcar disparou, e as empresas ajustaram-se. O resultado? Pacotes menores, lucros protegidos e consumidores distraídos. A diferença é tão pequena que quase ninguém nota até perceber que o café precisa de reforço.
Menos doce, mais debate
O tema pode parecer trivial, mas reflete uma tendência global: as empresas reduzem discretamente quantidades, justificando-se com motivos de saúde ou sustentabilidade.
E enquanto isso, os consumidores ficam a tentar perceber se estão a ser protegidos… ou enganados com jeitinho.
O lado positivo é que, sim, consumir menos açúcar faz bem. Portugal continua entre os países europeus com maior ingestão de açúcar diário, e reduzir pequenas doses pode ajudar. Mas talvez fosse mais honesto comunicar isso de forma clara, em vez de simplesmente “encolher o pacote”.
Da próxima vez que pedires um café, olha bem para o pacote de açúcar. Talvez vejas nele mais do que umas gramas de cristal branco. Vais ver um espelho da economia moderna, onde tudo parece igual mas vem sempre um bocadinho menos o café, o chocolate e até o tempo livre.
No fim, talvez este pequeno pacote seja o melhor símbolo dos tempos que vivemos:
menos conteúdo, mais marketing.
Precisamos dos nossos leitores. Segue a Leak no Google Notícias e no MSN Portugal. Temos uma nova comunidade no WhatsApp à tua espera. Podes também receber as notícias do teu e-mail. Carrega aqui para te registares É grátis!