Acabaste de fazer 16 horas de aulas práticas com um instrutor. Achas que já dominas a embraiagem, os sinais e até aquele arranque em subida que tanto custa. Mas depois, em vez de continuares a aprender com alguém que corrige cada detalhe, és lançado para a estrada com um tutor, talvez um familiar, que nem sempre tem a paciência ou o conhecimento para ensinar. Parece arriscado? É exatamente isso que está em cima da mesa. Mas será que menos aulas de condução significa mesmo mais riscos na estrada?
O que o Governo quer mudar
A proposta é clara: reduzir para metade as aulas práticas obrigatórias em escolas de condução, passando de 32 horas para apenas 16 com instrutores certificados. O resto seria feito através de uma solução de condução acompanhada por tutor, uma espécie de aprendizagem caseira.
Segundo o Executivo, esta medida teria como objetivos baixar os custos para os jovens e famílias e tornar o acesso à carta mais acessível. Mas a verdade é que a ideia já está a gerar uma onda de contestação.
O alerta das escolas de condução
A Associação Nacional de Escolas de Condução (ANIECA) não poupou críticas. Para esta entidade, aprender a conduzir não é só rodar o volante: exige acompanhamento pedagógico especializado, capacidade de correção de erros e treino em situações de risco.
Sem esse suporte, a preocupação é óbvia: condutores mal preparados, maior probabilidade de acidentes e aumento da insegurança nas estradas.
E lá fora, como é?
Portugal não seria o primeiro a testar modelos com tutores familiares. Mas há diferenças fundamentais:
França: existe a conduite accompagnée, mas só depois de 20 horas obrigatórias com instrutor. Além disso, há encontros pedagógicos com o tutor e avaliações contínuas.
Alemanha: o programa BF17 permite condução acompanhada, mas apenas após formação completa com instrutor. Estudos mostram uma redução de cerca de 17% nos acidentes entre jovens que seguem este regime.
Austrália: em alguns estados, os aprendizes precisam de 120 horas de condução acompanhada, mas sempre apoiadas em registos oficiais (logbooks) e validações de instrutores.
Reino Unido: a prática com familiares é permitida, mas a DVSA recomenda 45 horas de aulas profissionais + 20 horas de prática acompanhada.
Ou seja, nos países onde o modelo funciona, nunca se corta de forma tão brusca a formação profissional. Pelo contrário: garante-se uma base sólida com instrutor antes de passar para a condução com tutor.
O risco de menos aulas de condução
Reduzir as aulas certificadas de 32 para 16 pode parecer uma poupança, mas na prática abre a porta a novos perigos:
Tutoria sem preparação: familiares podem transmitir maus hábitos ou não saber corrigir falhas críticas.
Falsa confiança: alunos podem sentir-se preparados cedo demais e assumir riscos desnecessários.
Menos exposição a cenários complexos: conduzir de noite, em autoestrada ou com mau tempo é algo que os instrutores forçam a treinar, mas que dificilmente será feito com tutores.
Impacto direto na segurança rodoviária: quanto menor a qualidade do ensino, maior a probabilidade de erros fatais no trânsito.
O que especialistas defendem
A experiência internacional mostra que a condução acompanhada só resulta se vier em cima de uma formação profissional robusta. Além disso, são necessários mecanismos de controlo: registos de horas, check-ups pedagógicos e até formação mínima para os tutores.
Sem essas condições, cortar as aulas com instrutor pode ser mais do que uma medida económica pode transformar-se numa ameaça real para a segurança de todos os que circulam na estrada.