Para quem anda neste mundo da tecnologia há vários anos, como é o meu caso, a IA não é novidade. Já a vemos nas caixas de smartphones, TVs, etc… há mais de uma década. Porém, a verdade é que esta nova vaga de produtos não tem nada a ver com isso. Estamos a falar de algo que evolui a uma velocidade absurda, e que está a transformar (mesmo) o nosso dia-a-dia.
Pode achar que não, mas as mudanças que existem no nosso mundo atual vão ser apenas uma pequena parte de tudo aquilo que vai acontecer. Dentro de 3~4 anos, vamos viver uma realidade muito diferente da atual, que vai afetar tudo e todos.
Aliás, basta olhar para o que está a acontecer no entretenimento. Estive recentemente a moderar um painel na Iberanime sobre dobragem de séries e filmes, e foi ali que percebi como a mudança já começou. Até em Portugal, que normalmente nunca é o primeiro a adotar nada.
Por exemplo, não falta muito para que a voz de Eddie Murphy possa vir a falar fluentemente português europeu sem que nenhum ator tenha de entrar em estúdio. Algo que pode parecer incrível para o consumidor, porque vai ser possível ver projetos como quem os criou imaginou, porém, para quem vive da dobragem, este é um problema sério.
Um problema que vai muito além da dobragem, porque pode ser replicado em quase tudo.
A IA vai ser melhor em tudo? Sim. E nós? Ficamos a ver?
Na GITEX Berlim, onde a Leak está, tivemos a oportunidade de ouvir um senhor que percebo muito (e bem) da coisa. Estamos a falar de Geoffrey Hinton, conhecido como o Padrinho da IA, que além de muitas coisa geral, explicou que na saúde, a IA vai diagnosticar melhor que um médico humano. Já o faz, aliás. Na educação, vai ensinar melhor que qualquer professor, adaptando o ensino ao aluno. Na ciência, vai aprender com ela própria. E na robótica? Vai substituir o ser humano em tudo o que for físico, 24 horas por dia, sem pausas.
Tudo isto é entusiasmante, mas levanta uma questão gigante: O que sobra para nós?
A IA não é como a Revolução Industrial, onde empregos passaram de um setor para outro. Aqui, vamos ter equipas de 50 pessoas a passar para 5. Se tanto.
E não, não é só nos trabalhos “manuais” ou repetitivos. Estamos a falar de vozes, rostos, vídeos, arte, música e até escrita. Sim, até quem escreve artigos como este vai sentir o chão a fugir debaixo dos pés.
Universal Basic Income? Pode ajudar. Mas não resolve.
O que é isto?
O Rendimento Básico Universal (em inglês, Universal Basic Income, ou simplesmente UBI) é uma ideia simples mas com implicações enormes. De forma muito resumida, consiste em pagar um valor fixo, regular e incondicional a todos os cidadãos, independentemente do que fazem ou quanto ganham.
Ou seja, cada pessoa recebe todos os meses um valor base garantido pelo Estado, apenas por existir. Apenas e só por estar viva. Isto significa sem precisar de trabalhar, nem de provar que está à procura de emprego, nem de cumprir qualquer requisito.
Qual é o objetivo?
- Combater a pobreza extrema e garantir um nível mínimo de dignidade a todos.
- Simplificar os apoios sociais, substituindo dezenas de subsídios por um pagamento único.
- Dar liberdade às pessoas para escolher o que fazer da vida: estudar, cuidar de familiares, criar um negócio, ou simplesmente ter tempo.
- Preparar o futuro do trabalho, onde a inteligência artificial e a automação vão eliminar milhões de empregos tradicionais.
Quanto seria esse rendimento?
Depende do país, do custo de vida e da política em questão. Por exemplo, em testes reais, já se experimentaram valores entre 500€ a 1.000€ mensais. O suficiente para pagar o básico (alimentação, água, energia, transportes) mas sem luxo.
Entretanto, na GITEX Berlim, o padrinho da IA (Geoffrey Hinton) falou da ideia deste mesmo rendimento básico universal como forma de mitigar o impacto. Mas foi claro: isso pode resolver o dinheiro, mas não resolve a dignidade nem o propósito.
Isto porque, uma sociedade onde a maioria não tem nada para fazer, é uma sociedade doente. É aí que tudo entra em colapso.
Aliás, a própria ideia deste tipo de rendimento derrota o propósito do dinheiro. Se todos têm dinheiro sem fazer nada, como é que uma economia pode funcionar? Qual é o valor real do dinheiro?
Não é estranho?
O mais estranho é que estamos a criar um mundo mais eficiente, mais capaz, mais rápido e mais impressionante… mas que pode deixar a maioria das pessoas sem lugar, sem força, sem propósito. Por muito que a tecnologia nos fascine, isto é aterrador.