Já reparaste que o bolo que comes de manhã já não sabe igual? Eis o motivo

Hoje de manhã, enquanto tomava café num sítio habitual, ouvi uma conversa que me ficou na cabeça. Uma cliente queixava-se ao pasteleiro de que o bolo que tinha levado “parecia de ontem”. O dono suspirou e respondeu algo que, à primeira vista, parecia uma desculpa mas que afinal é a pura verdade: “As coisas andam todas diferentes. As margarinas mudaram, os conservantes foram retirados, e os bolos já não aguentam como antigamente.” Confesso: fiquei intrigado. Quantas vezes já sentimos que aquele bolo fofo de pastelaria parece mais seco, menos saboroso, quase “sem graça”? Será impressão nossa, ou será que o bolo que comes de manhã mudou mesmo?

O sabor da nostalgia do bolo que comes de manhã (e o que mudou sem darmos por isso)

Durante décadas, as pastelarias portuguesas usaram margarinas e gorduras com uma estrutura estável cheias de hidrogenados e aditivos que garantiam textura, volume e sabor. Eram essas gorduras que davam ao pão de ló aquela leveza, ao croissant aquela folha crocante, e ao bolo de arroz aquela humidade que durava o dia todo.

Mas nos últimos anos, tudo mudou. A União Europeia apertou as regras sobre gorduras trans, corantes artificiais e conservantes químicos. A indústria respondeu com o movimento “clean label”, que basicamente significa “menos químicos, nomes mais bonitos”. Resultado: margarinas mais “naturais”, com menos aditivos… mas também menos eficazes naquilo que faziam melhor — dar sabor, conservar e manter a textura perfeita.

Bolos mais saudáveis… mas com menos alma

O que poucos percebem é que um simples ingrediente, como uma margarina modificada, pode mudar completamente um produto. As novas fórmulas, à base de óleos vegetais e emulsificantes naturais, não têm a mesma estabilidade térmica. Traduzindo: o bolo seca mais depressa, ganha menos cor, o miolo fica mais denso e o sabor desaparece mais rápido.

Além disso, a pressão por produtos “sem conservantes”, “sem aditivos” e “sem gordura hidrogenada” forçou as pastelarias e fábricas a mudar receitas inteiras. Até os fermentos e aromas mudaram. Muitos pasteleiros tradicionais dizem que agora têm de fazer mais bolos por dia porque eles estragam-se mais depressa o que significa mais trabalho e mais custos.

O paradoxo do “melhor para a saúde”

Ironicamente, o que era suposto ser uma melhoria produtos com menos químicos acabou por tirar aos bolos o seu encanto. As margarinas antigas eram estáveis, aguentavam o calor, davam brilho e sabor. As novas versões são mais “limpas”, mas produzem resultados menos apetitosos. É como trocar uma guitarra clássica por uma digital: o som pode ser mais “puro”, mas falta-lhe alma.

E não é só nos bolos. Quem gosta de pastel de nata já deve ter reparado: muitos estão menos estaladiços, e o creme já não tem aquele sabor rico e ligeiramente amanteigado. Tudo consequência das novas misturas vegetais e do fim de certos aditivos usados há décadas.

O que dizem os pasteleiros

Alguns profissionais admitem que andam a lutar contra o tempo e as novas regras. Há quem diga que “o segredo do bom bolo está a ser substituído pela tabela nutricional”. Outros tentam contornar o problema misturando manteiga verdadeira com margarinas mais leves, mas isso encarece o produto final.

O pior é que o consumidor nota e julga. O cliente morde o bolo, acha-o seco, e pensa que foi feito no dia anterior. Mas na verdade, ele pode ter saído do forno há apenas duas horas.

O sabor da tradição que se está a perder

A pastelaria portuguesa sempre foi motivo de orgulho. Do pão de ló húmido de Ovar aos travesseiros de Sintra, há uma herança de séculos que depende de ingredientes consistentes. Mas entre a legislação, a pressão por versões “fit” e a substituição de matérias-primas clássicas, estamos lentamente a perder o sabor original das coisas simples.

Não é nostalgia é química, é economia, é regulamentação.

No fim de contas…

Os bolos continuam a existir, mas já não são os mesmos. E a culpa não é do pasteleiro é de um mundo que quer saúde, beleza e rótulos limpos… mas que se esquece do sabor.

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Bruno Fonseca
Bruno Fonseca
Fundador da Leak, estreou-se no online em 1999 quando criou a CDRW.co.pt. Deu os primeiros passos no mundo da tecnologia com o Spectrum 48K e nunca mais largou os computadores. É viciado em telemóveis, tablets e gadgets.

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