Se cresceste em Portugal antes da era do streaming e dos canais 24/7, sabes exatamente do que estamos a falar: a televisão dava sinal até certa hora, depois vinha o silêncio, um som agudo e umas barras de cor misteriosas que enchiam o ecrã. Para muitos era sinal de “hora de ir dormir”. Para os mais técnicos, era a famosa “mira técnica”. Mas afinal, para que serviam aquelas barras na TV? E porque é que desapareceram?
Um mundo sem televisão a toda a hora
Sim, houve um tempo em que as emissoras “desligavam” durante a madrugada. E antes de desaparecer o sinal, mostravam aquela imagem estática de barras coloridas acompanhada de um tom contínuo. Nada disto era um erro ou avaria. Era um teste e tinha uma função essencial: ajustar a imagem da televisão para que tudo fosse visto com as cores e o brilho certos.
A função técnica por trás da “mira técnica”
Estas barras não eram aleatórias. Eram um padrão de teste desenvolvido pela SMPTE (Society of Motion Picture and Television Engineers), e serviam como referência visual e sonora para calibrar televisões, monitores e sistemas de transmissão.
As barras (branco, amarelo, ciano, verde, magenta, vermelho e azul) estavam calibradas a 75% de intensidade e permitiam verificar se a TV estava a mostrar as cores corretamente.
Por baixo, havia outras barras mais escuras e claras chamadas PLUGE, usadas para ajustar o contraste e os níveis de preto.
E aquele som irritante? Era um tom de 1kHz, que servia para testar a transmissão de áudio e garantir que tudo estava em perfeita sincronização.
Porque eram tão importantes na altura?
Na era da televisão analógica, não havia um padrão universal. O aspeto da imagem variava imenso entre aparelhos e regiões. Um filme podia parecer nítido e bem colorido numa televisão… e completamente esverdeado noutra.
A mira técnica era o único ponto de referência visual. Técnicos (e até espectadores mais curiosos) podiam ajustar o brilho, cor e contraste com base naquele padrão.
Antes das barras SMPTE, usavam-se cartões de teste em preto e branco.
Ainda existem hoje?
Hoje em dia, já não é preciso fazer estes ajustes manualmente. As televisões digitais e os sistemas modernos tratam disso automaticamente. Mas as barras de cor ainda não desapareceram totalmente.
Continuam a ser usadas nos bastidores, especialmente nas grandes estações de televisão e estúdios. Até a Netflix tem conteúdos ocultos com padrões de teste para calibrar TVs 4K. Sim, existe mesmo um “episódio” com barras e tons para afinar a tua imagem.
E claro, o som agudo continua a surgir como piada em vídeos do YouTube, transições de erros e até para censurar palavrões. A “mira técnica” passou de utilidade técnica a ícone de cultura pop.
Uma imagem que marcou gerações
Entretanto aquela imagem parada com um som forte foi, durante décadas, o fecho oficial da programação diária. Mas por trás daquele arco-íris visual, havia engenharia pura e precisão técnica, essencial para garantir que víamos televisão com qualidade.
Hoje, com Netflix, Disney+ e canais que não dormem, a ideia de a televisão “desligar-se” parece absurda. Mas quem viveu essa era lembra-se bem do conforto silencioso da mira técnica e do sinal de que o dia tinha mesmo chegado ao fim.