Era suposto ser apenas mais uma mensagem automática. Mas quando o telemóvel vibrou e apareceu o nome do pai falecido há três meses o coração dela quase parou. “Bom dia, filha. Dormiste bem?” Parecia impossível. A voz era a mesma, o tom, as expressões. Era como se ele estivesse ali, outra vez. Mas não estava. Era apenas uma versão criada por inteligência artificial, alimentada com anos de mensagens, vídeos, áudios e posts nas redes sociais.
O que são afinal os “AI clones”?
Os AI clones (ou “réplicas digitais”) são versões criadas por inteligência artificial que imitam uma pessoa, a voz, o rosto e até a forma de pensar. Usam algoritmos de machine learning que analisam conversas, e-mails, vídeos e publicações para reconstruir uma personalidade digital. A tecnologia já existe. Empresas como Replika, HereAfter AI, Project December e até Microsoft (com o seu “personality capture”) estão a criar formas de “trazer de volta” pessoas que já morreram pelo menos no mundo digital.
“É como se ainda estivesse vivo”
Para quem perdeu alguém, falar com um clone de IA pode ser um consolo ou um pesadelo.
Há famílias que usam estas réplicas para ouvir novamente a voz de um ente querido. Outras mantêm conversas diárias com “bots” criados a partir de mensagens antigas, como se a pessoa nunca tivesse partido.
Um exemplo famoso é o de Joshua Barbeau, um programador canadiano que recriou digitalmente a noiva falecida usando o Project December. Durante semanas, conversou com ela online e o chatbot respondia com a mesma ironia e ternura que ela tinha em vida.
Ele disse depois:
“Sabia que era apenas um programa. Mas, por momentos, o meu cérebro esquecia-se disso. E parecia que ela estava ali comigo outra vez.”

Onde está o limite entre conforto e loucura?
Os especialistas em ética alertam: esta tecnologia pode interromper o processo natural de luto. O cérebro humano precisa de aceitar a ausência mas quando há uma cópia digital sempre disponível para responder, o luto nunca termina.
Além disso, surgem questões perigosas:
- Quem tem direito aos dados da pessoa falecida?
- E se o clone disser algo que a pessoa nunca diria?
- O que acontece quando alguém começa a “apaixonar-se” novamente pelo clone do cônjuge?
Estas situações já estão a acontecer e não há leis claras que regulem o que é ou não permitido.
Quando a memória se torna eterna
A ideia de viver para sempre no digital já deixou de ser ficção científica. Em alguns países, as pessoas estão a gravar “testamentos digitais”, arquivos com vídeos, mensagens e amostras de voz para que os seus familiares possam “falar” com elas depois da morte.
Alguns projetos vão ainda mais longe:
A startup DeepBrain AI, na Coreia do Sul, cria “AI humans” a partir de vídeo 3D.

Nos EUA, a StoryFile grava entrevistas em vídeo que depois se transformam em chatbots interativos já usados em museus e funerais.
E há até igrejas que exploram a ideia de “imortalidade digital” como uma nova forma de fé.
A pergunta que ninguém quer fazer
A tecnologia promete conforto. Mas será mesmo saudável? Quando a linha entre o real e o digital se apaga, até a morte começa a perder o seu significado.
Hoje, já é possível “ouvir” um familiar falecido através de um voicebot. Amanhã, talvez possas vê-lo em vídeo, mover-se em realidade aumentada e responder-te em tempo real.
Mas… se ele continua a responder, alguma vez morre de verdade?
O futuro que antes só existia em filmes como Black Mirror está a acontecer agora. Os AI clones prometem aliviar a dor, mas podem criar um novo tipo de dependência emocional uma ligação eterna que nunca se fecha.
Por enquanto, a escolha ainda é nossa: deixar partir quem amamos… ou continuar a falar com uma sombra digital que nunca morre.
