Só de pensar nisso dá logo aquele flashback: anos 90, início dos 2000, tu a sair do carro, fechar as portas e… sacar o rádio do tablier como se fosse um objeto sagrado. Depois ias ao café, ao shopping ou à escola com meio carro debaixo do braço. Se hoje andamos com o telemóvel sempre na mão, naquela altura o “must-have” era o rádio do carro da Pioneer, da Sony, da Kenwood, com frente destacável e luzinhas a piscar.
A era em que o rádio valia mais que o carro
Havia carros que valiam pouco, mas o rádio? Esse era o orgulho do dono. Um Fiat meio cansado com um rádio XPTO, equalizador digital, leitor de CD (ou até MD, para os mais avançados), era quase um statement de estatuto.

E como havia roubos a torto e a direito, nasceu aquele ritual quase religioso:
chegavas ao destino, desligavas o carro, carregavas no botão, o rádio “saltava” e tu enfiavas aquilo na capa rígida e levavas contigo. Havia quem guardasse na mala, quem metesse no bolso do casaco, quem pousasse em cima da mesa do café como quem exibe um troféu.
E claro, o clássico:
– “Espera aí que me esqueci do rádio no carro!”
Volta atrás, abre a porta, tira o rádio, agora sim, podemos ir.
Frente destacável, rádio inteiro e outras invenções
Tivemos várias fases. Primeiro, roubavam o rádio inteiro. Depois começaram a aparecer os modelos com frente destacável, que era para o ladrão olhar para o tablier e pensar: “Ok, este não compensa”.
Alguns andavam só com a frente do rádio na mão. Outros desconfiavam e levavam o rádio completo, fios e tudo, para garantir. Também havia o drama: quando ias a conduzir e o rádio encravava, a frente não encaixava bem, o contacto falhava, e tu aos solavancos sem música porque o “click” não fazia boa ligação.
E se perdias a frente? Esquece. Rádio de 200 euros transformado em pisa-papéis de luxo.
Quando o rádio do carro era discoteca móvel
Mas também era uma época divertida. Montar um rádio era um pequeno projeto de engenharia caseira. Sempre havia um amigo “que percebe de som” que passava uma tarde inteira a ligar fios, colunas, subwoofer na mala, amplificador debaixo do banco, iluminação azul, vermelha ou verde à escolha.

O objetivo era simples: transformar o carro numa discoteca em movimento. Meter uma cassete gravada da rádio, ou mais tarde um CD cheio de faixas escolhidas à unha, e dar volume até os vidros vibrar. Quem nunca?
Avançamos no tempo… e esquecemos o rádio na mão
Hoje olhamos para trás e parece surreal andar com um rádio de carro na mão pelo meio da rua. Os carros modernos já trazem o sistema multimédia integrado, e se não gostas, ligas o telemóvel por Bluetooth, Android Auto ou Apple CarPlay e está feito.
Não há frentes destacáveis, não há rádios encaixados à força, não há aquele momento de terror de chegar ao carro e ver só um buraco no tablier.
Perdemo-nos em conforto, ganhámos em… complicação?
A verdade é que ganhámos muito em conforto. Hoje entras no carro, ele liga o Spotify sozinho, o GPS aparece logo, tens chamada em mãos-livres, comandos por voz, e tudo parece mais seguro porque não há nada “solto” para roubar.
Mas também perdemos um bocadinho daquela cultura de “tuning sentimental” que havia. Escolher o rádio era quase como escolher uns ténis novos: tinha de ter estilo, luzes, funcionalidades, uma marca boa. Havia identidade. Os carros eram todos diferentes por dentro, mesmo que fossem iguais por fora.
Agora é mais: “O sistema é o que veio de fábrica” e pronto. Se calhar é mais prático, sem dúvida. Mas menos… pessoal.
