Black Friday em Portugal já tem banda sonora própria: notificações no telemóvel, newsletters em modo SOS e preços que sobem e descem mais depressa do que a tua paciência. Mas, desta vez, um caso concreto com a Worten levantou uma questão séria quando mudou o preço: o que vale, afinal, o famoso “Preço Mínimo Garantido”?
Worten mudou o preço 4 vezes
Um utilizador reparou que, em apenas 24 horas, o mesmo produto na Worten passou por quatro preços diferentes:
- Ontem: 259,99 €
- Hoje de manhã: 299,99 €
- Hoje à tarde: 209,99 €
- Pouco depois: de volta aos 299,99 €
No meio disto, tentou usar a política de Preço Mínimo Garantido com base num preço de 209 € na Amazon ES (vendido e expedido pela própria Amazon). A resposta da Worten? Um não redondo, com direito a argumento jurídico:
…o preço da loja concorrente é inferior ao preço de custo do artigo para a Worten, e baixar o preço implicaria violar a lei que impede vendas com prejuízo, tal como definido no Decreto-Lei n.º 166/2013…
E aqui começa o problema
Ontem o mesmo produto já tinha estado a 209 € na própria Worten. Então, em que ficamos?
A promessa é bonita: “Se encontrares mais barato, igualamos o preço”
No site oficial, a Worten vende a ideia de forma simples: se encontrares mais barato numa lista de lojas concorrentes (Fnac, Rádio Popular, MediaMarkt, algumas online incluindo Amazon ES), igualam o preço, tanto em loja como online.
É uma política pensada para te fazer pensar assim:
“Compro aqui descansado. Se vir mais barato, vou lá buscar a diferença.”
Só que, como sempre, o diabo está nas letras pequenas.
Entre as várias condições, há uma cláusula decisiva, que até já foi citada em reclamações e discussões públicas:
Ficam excluídas quaisquer reduções que impliquem o incumprimento de normativos legais vigentes, nomeadamente o impedimento de efetuar vendas com prejuízo, tal como definido no Decreto-Lei n.º 166/2013.
Tradução:
se a loja disser que igualar o preço seria vender abaixo do “custo”, pode recusar o teu pedido – mesmo que, à tua frente, continue a anunciar “Preço Mínimo Garantido”.
O argumento da “venda com prejuízo”: o que é isso afinal?
A expressão vem do tal Decreto-Lei n.º 166/2013, que regula as chamadas práticas individuais restritivas do comércio. Uma delas é precisamente a revenda com prejuízo: vender um produto abaixo do chamado preço de compra efetivo (o custo real para o retalhista, já com descontos, bónus, etc.).
A ideia é impedir guerras de preços em que um gigante baixa tanto os valores que destrói a concorrência mais pequena.
Em teoria, faz sentido.
Na prática, para ti, consumidor, isto tem um problema gigante:
- não tens forma de saber qual é o “preço de custo” da Worten. Nem sabes:
- Que descontos a marca deu
- Que bónus ou campanhas estão a correr
- Ou se, naquele dia em específico, houve uma condição especial que baixou artificialmente o custo interno
- Ou seja, basta a loja dizer “é abaixo do nosso custo, a lei não deixa”… e a política de Preço Mínimo Garantido morre ali.
Então como é que ontem podiam vender a 209 € e hoje já é “ilegal”?
É aqui que o caso ganha contornos de novela.
No exemplo que estamos a analisar, a própria Worten teve o produto a 209,99 € durante a tarde. Mais tarde, quando o cliente tenta usar esses mesmos 209 € como referência (agora na Amazon ES, “vendido e expedido pela Amazon”), recebe a resposta:
Não podemos igualar, porque 209 € está abaixo do nosso preço de custo.
Se igualássemos, estaríamos a violar a lei da venda com prejuízo.
Entretanto há duas explicações possíveis – nenhuma muito simpática:
Explicação “técnica” (a que nunca é explicada ao cliente). Pode ter existido uma campanha muito pontual, apoio direto do fornecedor ou condições internas que, naquele momento, baixaram o preço de compra efetivo. Resultado: Durante umas horas, 209 € não seria “preço com prejuízo”.
Passada a campanha, o “custo” volta a subir e o sistema já não permite esse valor.
Explicação que o consumidor sente na pele. A loja consegue praticar 209 € quando quer puxar pela Black Friday… Mas, quando lhe pedes para garantir esse valor com base na própria política que anunciam, já é “abaixo do custo” e deixa de dar jeito.
Sem transparência sobre números, ficas só com a sensação de que a lei está a ser usada como escudo de marketing.
Não é caso isolado: há mais queixas sobre o Preço Mínimo Garantido
Uma passagem rápida por reclamações na DECO e no Portal da Queixa mostra um padrão: consumidores queixam-se de pedidos recusados com base em justificações pouco claras (“artigo não disponível online”, “limite interno atingido”, “não conseguimos chegar a esse valor”), apesar de a política estar a ser usada como argumento comercial.
Num desses casos, a resposta oficial volta a bater na mesma tecla: assim a política não pode ser aplicada se isso comprometer o cumprimento da legislação relativa a preços e condições de venda – ou seja, outra vez o fantasma da venda com prejuízo.
Conclusão?
O Preço Mínimo Garantido funciona muito bem em banners e anúncios, mas na prática está cheio de portas de saída para a loja.
O que podes fazer se te acontecer o mesmo
Se te vês numa situação parecida – seja na Worten ou noutra grande superfície – não fiques só a bufar para o ecrã. Há coisas concretas que podes fazer.
1. Guarda provas de tudo
- Prints dos preços (na loja A, na loja B, na Amazon, etc.).
- Data e hora em que o viste.
- Condições da política de Preço Mínimo Garantido no site da loja.
- Quanto mais documentação tiveres, melhor.
2. Pede a recusa por escrito
Nada de “o sistema não deixa, lamento” dito ao balcão e pronto.
Pede que te enviem a fundamentação por email, com referência à política e à lei que estão a invocar.
Isso não obriga a loja a mudar de ideias, mas:
Obriga-a a “assumir” a razão da recusa.
Dá-te base para uma reclamação bem estruturada.
3. Livro de Reclamações (físico ou eletrónico)
Entretanto se sentes que a política foi usada como isco comercial e, na hora da verdade, não foi cumprida de forma transparente, usa o Livro de Reclamações Eletrónico:
- Explica que a decisão de compra foi influenciada pelo Preço Mínimo Garantido.
- Mostra a diferença entre a promessa e a prática.
- Refere que, na tua perspetiva, pode configurar uma prática comercial enganosa.
- A reclamação segue para a loja e para as entidades competentes.
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