É provável que a chave de parafusos de ponta em cruz, a icónica Phillips, seja uma das ferramentas manuais mais utilizadas na história moderna. Essencial em qualquer caixa de ferramentas caseira, ao lado do martelo e da fita métrica, o seu design robusto e a sua popularidade no mundo industrial fazem-na parecer uma invenção secular. No entanto, a sua história é surpreendentemente recente e, mais interessante ainda, o homem que lhe deu nome… não foi o seu inventor.
O nascimento de um padrão
Apesar de existirem dezenas de formatos de cabeças de parafusos em circulação atualmente, o formato Phillips (ou “cruciforme”) continua a ser uma escolha prioritária para a maioria dos fabricantes e construtores.
O design foi patenteado pela primeira vez no início dos anos 30 do século XX, tendo o empresário de Portland, Oregon, Henry F. Phillips, sido creditado com o registo em 1933. Embora não tenha sido o primeiro desenho a apresentar a ponta em cruz (o inventor inglês John Frearson já tinha exibido um conceito semelhante décadas antes), o registo de Phillips foi o que viria a revolucionar o trabalho industrial e a tornar-se um marco em todas as caixas de ferramentas.
Henry F. Phillips, na altura diretor-geral da Oregon Copper Company, não hesitou: deu o seu próprio nome à chave de parafusos que mudaria o jogo. Uma decisão questionável, visto que ele não a tinha inventado.
O verdadeiro pai da invenção
O crédito pela criação da revolucionária cabeça de parafuso e da respetiva chave pertence, na verdade, a outro cidadão do Oregon: John P. Thompson.
Ao contrário de Phillips, pouco se sabe sobre Thompson, para além de se ter mudado para a área de Portland no início dos anos 20, trabalhando como operário durante a maior parte do tempo. Os registos indicam que, em 1932, quando inventou o seu conjunto de chave e parafuso, Thompson trabalhava como mecânico automóvel.
Foi Thompson quem deu entrada com a documentação no Gabinete de Patentes dos EUA em 1932. Contudo, quando as patentes foram finalmente concedidas um ano depois, foram atribuídas a Henry F. Phillips através de um processo legal conhecido como “Atribuições Diretas e Mediatas” (By Direct and Mesne Assignments), embora Thompson continuasse listado como o inventor.
Como Phillips obteve os direitos é um mistério, mas a teoria mais aceite é que Thompson não teria os meios para comercializar e fabricar a invenção por conta própria, encontrando um comprador disposto em Phillips.
Da General Motors à crise
Depois de garantir os direitos e dar nome à ferramenta, Phillips fundou a Phillips Screw Company. Após refinamentos no design, a General Motors tornou-se o primeiro grande cliente industrial em 1937, adotando o parafuso para a montagem dos seus Cadillacs.
O sucesso foi avassalador, impulsionado posteriormente pelo esforço de guerra dos EUA na Segunda Guerra Mundial, que dependia da velocidade e facilidade de montagem que o parafuso Phillips proporcionava. Em 1940, a empresa gerava mais de 1,3 milhões de dólares em royalties (ajustado à inflação, seria um valor estrondoso).
No entanto, nem tudo foi um mar de rosas. A eclosão da Segunda Guerra limitou os seus acordos de licenciamento internacionais, nomeadamente com os lucrativos fabricantes japoneses. Phillips reformou-se em 1945 e, pouco depois, a sua empresa enfrentou o seu maior desafio.
Em 1947, o Governo dos Estados Unidos avançou com um processo contra a Phillips Screw Company, acusando-a de práticas anticoncorrenciais graves, como a criação de um “pool” de patentes, fixação de preços e a supressão de tecnologias concorrentes.
O caso terminou em 1949 com a dissolução do pool de patentes. Em 1966, todas as patentes expiraram, permitindo que qualquer fabricante de ferramentas utilizasse livremente o design Phillips.
Apesar de toda a controvérsia em torno da sua origem e da batalha legal pós-guerra, a Phillips Screw Company ainda se mantém ativa, operando atualmente a partir de Massachusetts, garantindo o legado, mesmo que o nome pertença a um homem que foi mais um visionário de marketing do que propriamente o inventor.
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